O Acadêmico Marcelo Viana - que, no dia 8 de junho, se tornou o primeiro brasileiro a ganhar o Grande Prêmio Científico Louis D. da França - esteve no Colégio Cruzeiro, no Rio de Janeiro, para falar sobre a área que o levou a receber a maior distinção do país europeu para a pesquisa científica: a matemática. O evento "Encontro com as profissões", voltado para alunos do ensino médio, aconteceu em meados de maio.
O pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) falou sobre a sua profissão de uma forma leve e agradável aos estudantes, que tiveram a oportunidade de entender melhor sobre o que faz um matemático. Para isso, citou o professor Paul Lockhart: "Fazer matemática sempre deveria significar encontrar padrões e construir explicações bonitas e significativas". E completou: "Essa frase é um pouco misteriosa, então decidi concretizar essa ideia".
Dominó para explicar a matemática
Assim, Viana chamou três alunos para participarem de uma demonstração prática. Cada um recebeu peças de dominó - um recebeu o jogo completo, outro recebeu as peças até a numeração 5 e o terceiro recebeu as peças até a numeração 4. O objetivo era que cada um conseguisse fechar um círculo usando todas as peças uma vez só.
O aluno que tinha as peças até a numeração 5 foi o único que não conseguiu fechar o círculo. Viana afirmou que isso seria de fato impossível, e explicou com uma história do século 18 sobre a cidade de Königsberg, na Prússia, em que a população buscava meios de fazer um percurso que passasse por todas as pontes do centro apenas uma vez. As pessoas não conseguiram e chamaram um matemático, Leonhard Euler, para resolver o problema. Euler, por sua vez, afirmou que o percurso em questão não era possível porque tinha vértices ímpares, ou seja, para que fosse possível, seria necessário que cada ponto de saída tivesse um número par de caminhos.
Transformando os caminhos em linhas e suas interseções em pontos, Euler criou, possivelmente, o primeiro grafo da história, nome das estruturas empregadas em um ramo da matemática que estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto. Assim, nasceu o teorema de Euler: um grafo possui percurso fechado passando exatamente uma vez por cada uma das arestas se, e somente se, todos os vértices são pares.
Para que serve a matemática?
"O rosto de Euler está na nota de dez francos suíços, mas acredito que, mesmo sendo responsável pela teoria dos grafos, que movimenta bilhões de dólares por ano, ele não tenha ganhado nem dez francos por isso", comentou Viana. Hoje, a teoria dos grafos influencia diretamente sistemas inteligentes de transporte aéreo, planejamento de tráfego urbano, de redes de estradas, controle de epidemias e outras áreas.
"Sem a matemática, não haveria novos fármacos, aviões, conta bancária, ressonância magnética, smartphones", afirmou Marcelo Viana. No Reino Unido, 10% dos empregos são ligados à matemática, e atividades ligadas a essa área correspondem a 16% do PIB. Na França, são 15% do PIB, e 9% dos empregos estão ligados à matemática. "A empregabilidade é excelente. Esses 9% não são empregos quaisquer, são cargos bons, com bons salários. Das 85 tecnologias que a França considera estratégicas, 37 são ligadas à matemática."
Em 2015, a revista Forbes publicou um ranking das melhores profissões. As dez primeiras incluíam atuária (que liderou a lista), estatística, ciência de dados, engenharia de software e análise de sistemas computacionais - todas profissões ligadas à matemática. O ranking considera não apenas o salário, mas também as condições de trabalho. "No Brasil não existem estudos como esse, mas tudo leva a crer que as conclusões seriam parecidas", disse Viana.
Ele lembrou que, para se tornar engenheiro, é preciso ter um mínimo de expertise em matemática. "A Austrália tem 38,1% dos seus alunos no nível 4 ou superior na avaliação de matemática do PISA [o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes]. O Canadá, 43,3%, a Coreia do Sul, 51,8%, a China, 71,2%, e o Brasil tem 3,8%. É uma catástrofe." Quem tem expertise, disse Viana, é como se tivesse "um sexto sentido", e só 4% dos brasileiros têm. "Então há um nicho enorme para quem quiser atuar nessa direção."
O pesquisador informou que, se o Brasil subisse 25 pontos na prova de matemática do PISA, o PIB seria multiplicado por 2,5. "E se subirmos 25 pontos nós não vamos chegar no nível da Finlândia, mas do México." Para conseguirmos isso, segundo Viana, não precisamos inventar a roda, basta repetir o que outros países já fizeram. "Temos um sistema de educação gigantesco, 246 mil escolas. É preciso investir na formação dos professores." Quase 40% dos professores da rede pública que atuam nos anos finais dos ensinos fundamental e médio não têm formação para a matéria que ensinam, segundo dados do Censo da Educação Básica de 2015.
Herói da matemática
Viana comentou com os estudantes sobre o Acadêmico Artur Ávila, também do Impa, que, há dois anos, ganhou o maior prêmio do mundo voltado para a matemática, a Medalha Fields (apelidada de "Nobel da matemática"), aos 34 anos. "Só é possível ganhar a Medalha Fields até os 40 anos, e isso acontece apenas uma vez a cada quatro anos. Então ganhar o Prêmio Nobel é moleza perto dela", brincou. Artur Avila foi o primeiro vencedor da Medalha que nasceu, cresceu e foi educado em um país em desenvolvimento. Tornou-se uma espécie de herói para os brasileiros.
Ele também falou sobre o biênio da matemática no Brasil, que acontecerá em 2017 e 2018. O Rio de Janeiro receberá os dois principais eventos do mundo nessa área: a Olimpíada Internacional de Matemática, em julho de 2017, e o Congresso Internacional de Matemática (onde é entregue a Medalha Fields), em agosto de 2018.
Julia Fragale, 17, foi uma das estudantes que participou do experimento de Viana. Ela contou que pensa em seguir a carreira de engenharia aeronáutica e se interessa por matemática: "Antes eu estudava em uma escola de artes e não gostava dessa matéria, mas, para entrar no Cruzeiro, precisei estudar muito matemática. Aí passei a entender e, quando você entende, você começa a gostar da coisa".
Mais um prêmio para o Brasil
Sobre o Prêmio Louis D., Marcelo Viana contou que foi concedido pelo conjunto do trabalho que faz com sua equipe no Impa na área de sistemas dinâmicos, também chamada de Teoria do Caos, que estuda o modo que fenômenos evoluem no tempo - clima, aspectos da natureza, reações químicas etc. "É uma área que se desenvolveu muito no Brasil a partir dos anos 90, e é muito forte no Impa." Ele contou que outro fator a ser considerado foi o fato de seu projeto buscar aumentar a cooperação com a França, apoiando o intercâmbio e a mobilidade de jovens.
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